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segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Diplomacia econômica no século XXI: métodos e visões da Suécia

Quando a Suécia lançou sua primeira missão oficial ao Brasil - no longínquo ano de 1808! - o presidente do Conselho Real declarou: "O comércio é o objetivo supremo desta missão". E isso era verdade, literalmente. Lorenzo Westin, o primeiro-cônsul sueco, envolveu-se profundamente nesses primeiros passos do comércio Brasil-Suécia, e acumulou uma riqueza pessoal considerável nesse processo.

Mas é preciso dizer, a favor de Lorenzo, que ele promoveu o comércio com igual energia em ambas as direções. A diplomacia econômica no século XXI faria bem em seguir o exemplo.

Na condição de sucessor moderno de Lorenzo, considero as lições de 1808 ainda válidas, embora nossos métodos de trabalho tenham mudado um pouco. Nós certamente promovemos o comércio e o investimento. Mas as relações econômicas entre os países estão se tornando algo que transcende a mera troca de bens e serviços. Parcerias interfronteiriças muitas vezes envolvem diferentes tipos de stakeholders, sejam do setor privado, do meio acadêmico ou de órgãos governamentais. A Embaixada, portanto, dá ênfase a plataformas de apoio voltadas para possibilitar tais parcerias, como o Centro de Pesquisa e Inovação Sueco-Brasileiro, em São Bernardo do Campo, e a cooperação entre agências de inovação dos dois governos.
A Embaixada trabalha em estreita colaboração com a Business Sweden, uma agência específica para a promoção do comércio e do investimento, de propriedade conjunta do governo sueco e da Associação das Indústrias Suecas, com escritórios em 57 países. A Business Sweden atua como uma consultoria e cobra das empresas a conta por seus serviços. Outro importante parceiro é a Câmara de Comércio Sueco-Brasileira, em São Paulo, que funciona como ponto de apoio para a indústria sueca no Brasil há 60 anos.

Além do trabalho promocional, como delegações de empresários, conferências e participação em feiras, a Embaixada, é claro, acompanha de perto as condições do ambiente de negócios no Brasil e ajuda as empresas na busca para garantir condições de competição igualitárias.

No momento, a Embaixada está preparando as atividades promocionais para os próximos três anos. Isso será feito em estreita colaboração com todas as partes ativas na construção da parceria Suécia-Brasil - governamentais ou não. Devemos estabelecer áreas de prioridade e objetivos com efeitos mensuráveis.

A Suécia, obviamente, busca o acesso a bons mercados para suas empresas. Mas, além disso, o país é um sério defensor do livre comércio global e advoga ferrenhamente por uma maior abertura da União Europeia,  da qual é membro. A Suécia sempre resiste a clamores pela implementação de "medidas de retaliação", tais como procedimentos antidumping. Esse tipo de medidas leva à adoção de contramedidas, que prejudicam as cadeias globais de valor das quais todos nos beneficiamos.

Do valor total das exportações industriais da Suécia, 35% são importações. Portanto, nós dependemos não apenas de acesso a mercados de exportação, mas igualmente de um fluxo de importações sem impedimentos. Não é por acaso que a ministra do Comércio sueca, uma dos três ministros do Ministério das Relações Exteriores, costuma se autointitular "a ministra do livre comércio".

No governo sueco, não há um setor de "defesa comercial". Tampouco as exportações ou importações estão sujeitas a qualquer deliberação política específica. Existe, no entanto, um Conselho Nacional do Comércio, que analisa padrões de comércio e presta assessoria ao governo. O Conselho também funciona como um ponto de contato para a rede europeia SOLVIT, que tem como objetivo solucionar questões do dia a dia do Mercado Único Europeu.

Nosso primeiro círculo de comércio é, naturalmente, o Mercado Único Europeu. Trata-se de uma das maiores conquistas da União Europeia (UE), mas, de forma alguma, é algo completo. A Suécia faz pressão por uma liberalização contínua, não apenas no crucial setor de serviços, mas também nas áreas de telecomunicações, ferrovias e energia.

Idealmente, os mercados globais deveriam ser abertos por meio de medidas globais. Esse é o papel da OMC. O novo diretor-geral da organização, o brasileiro Roberto Azevedo, injetou sangue novo nos atuais esforços para se obter pelo menos algum resultado concreto parcial na longa negociação conhecida como Rodada de Desenvolvimento de Doha. Esperamos que, no mínimo, um pacote limitado possa ser concluído antes do fim do ano, envolvendo, principalmente, procedimentos de comércio simplificados e medidas de especial importância para os países menos desenvolvidos. Um pacote nesses moldes iria manter viva a visão de um acordo universal. No entanto, será difícil avançar de forma decisiva caso a "síndrome da concessão" prevaleça.

A Comissão Europeia negocia em nome da UE na OMC, mas constantemente consulta seus Estados-membros, e a Suécia decidiu investir recursos humanos consideráveis nesse trabalho.

Paralelamente, diversas iniciativas regionais para liberalizar o comércio têm sido implementadas. Na América Latina, o Mercosul está se expandindo gradualmente. México, Colômbia, Peru e Chile anunciaram um novo acordo de livre comércio, a Aliança do Pacífico, o que reflete, em parte, uma negociação mais ampla, envolvendo também os Estados Unidos e outros países do Pacífico. A União Europeia concluiu um número significativo de acordos bilaterais e regionais, o mais recente com o Canadá, e deu início também a uma ambiciosa negociação com os Estados Unidos e a outra com o Japão.

No médio prazo, uma importante tarefa para a diplomacia econômica é garantir a compatibilidade dos acordos regionais, tanto entre eles quanto em relação ao futuro acordo global da OMC.

No mundo globalizado, a diplomacia econômica não pode, é claro, atuar de forma isolada em relação às outras diplomacias. O mundo precisa enfrentar a questão do aquecimento global, ao mesmo tempo contendo esse fenômeno e se adaptando a ele. Existe também um sério compromisso a se honrar, firmado na Rio+20: indicar claramente o caminho para o desenvolvimento sustentável. Fortalecer os direitos humanos e o Estado de Direito em todo o mundo, sem falar nos direitos dos trabalhadores, é, obviamente, um terceiro desafio.

O comércio e o investimento servem para aproximar os países, bem como para criar crescimento. Isso possibilita que as sociedades de desenvolvam e os direitos sejam fortalecidos. O comércio também deveria andar de mãos dadas com o comprometimento em relação à responsabilidade social das empresas, especialmente por parte das principais companhias multinacionais.

Nunca antes na história a diplomacia econômica foi tão importante ou complexa. no Século XXI, a diplomacia econômica deve, mais do que nunca, dar as boas-vindas aos novos atores dos mercados mundiais e deixar o comércio ser um vetor poderoso não apenas de crescimento, mas também de justiça social, de Cuidado com o meio ambiente e de defesa dos direitos humanos.

De volta ao país que Lorenzo Westin descobriu em 1808, estou orgulhoso do compromisso forte e permanente da indústria sueca com o Brasil. Partindo desse legado, devemos ter como objetivo o desenvolvimento de muitas outras parcerias, com os dois países em pé de igualdade, em áreas como serviços, defesa, tecnologia para os setores da saúde  do meio ambiente, tecnologia da informação e da comunicação, apenas para mencionar alguns ramos promissores. Entrar no mercado brasileiro não é fácil. Certamente é algo que eu não recomendaria àqueles que pensam em termos de curto prazo. Já existem algumas plataformas para ajudar à formação de parcerias Brasil-Suécia, geralmente baseadas em ideias inovadoras ainda nos seus primeiros estágios de "marketização". O diálogo entre os dois governos sobre a melhor forma de apoiar tais parcerias deveria ser intensificado, bem como o diálogo entre o Brasil e a União Europeia - que é o principal parceiro comercial e de investimentos do país.

Bilateral ou multilateralmente, a missão é a mesma: abrir-se para novas oportunidades.

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Magnus Robach
Embaixador sueco no Brasil

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